terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A mentira também é construção social!

Isso se parece com uma daquelas estratégias utilizadas por advogados para livrar o réu que acabou de cair em contradição. “Meu cliente não mentiu, Meritíssimo, ele foi levado a mentir!”.
Será que não existe um quê de lógica nesse título?
Muitos “decodificadores” da linguagem corporal, principalmente aqueles que depois de lerem o “Manual do código gestual”, põem-se a “desmascarar” os mentirosos; fazem isso praticando aqui e ali a visualização dos indicadores de mentira (dos gestos que provavelmente revelam o sujeito quando este mentiu, mente ou mentirá na próxima frase a ser dita).
Tantas palavras estão entre aspas para ressaltar o processo mecanicista por meio do qual andam julgando muitas de nossas condutas. Fazem isso como se consultassem um dicionário que contém todos os gestos possíveis e seus respectivos significados quase sempre negativos.
É o que muitos projetos de autores vêm citando...
Para reforçar que o mentir não é um ato isolado que envolve tão somente funções motoras, basta pensarmos no “nascimento da mentira” que cresce educada consoante os parâmetros da construção social de cada cultura.
Em pequenas cidades do interior, uma mentira pode surgir através de uma estória... De tanto ouvir seu pai, o filho do mentiroso cresce achando que são verdades todos os relatos contados por seu pai. O filho pode seguir achando que fazia parte das estórias as quais nunca aconteceram de fato.
Uma pessoa suficientemente autoconfiante pode elaborar uma mentira tendo consciência da mesma e, de tanto mentir repetidas vezes, termina acreditando em sua própria versão fantasiosa (em se tratando de mentiras brancas).
Mesmo um sonho pode fazer com que o sonhador acredite em algo que, de repente, nunca chegou a acontecer. Mas qual será o nome do pregador de peças capaz de enganar o próprio mentiroso? Aplausos para a senhora Memória e suas faces.
Para se falar de memória não se pode deixar de indicar a Dr. Elisabeth F. Loftus que desenvolveu estudos sobre a falsa memória, isto é, lembranças que são tomadas para si como algo real, acontecido, mas que em realidade nunca aconteceu.
A falsa memória está associada ao ouvir dizer, à sugestionabilidade e, supostamente, a muitos outros fatores.
Alguns pesquisadores diferem a falsa memória da auto-implantação de memória, esta auto-implantação se basearia no entendimento diferenciado do original que é tomado pelo sujeito por este ter ouvido mal um relato ou confundido este com outro relato de um outro emissor com quem também se conversava simultaneamente. Há quem prefira chamar de memória errônea esse tipo de memória, mas quem pode se indagar do que seja uma memória certa ou errada? Não seria este mais um costume infeliz do meio cientifico de querer sempre escolher um padrão e tomá-lo como referencial?!
A memória é a “retenção, recordação de experiências”, agora o fato dessas experiências terem ocorrido ou serem confundidas com outras, não priva a memória de seus direitos autorais.
É certo que, se nem nós, os “donos” de nossas memórias, podemos confiar em nossas lembranças, o que se pode dizer daqueles que precisam nos ouvir para, a partir do discurso vinculado aos nossos gestos e posturas, deduzir que estamos mentindo ou não?!!
Não raro nos enganamos com nossas recordações, galgamos memórias após o acontecido e ficamos vulneráveis às sugestões alheias capazes de preencher as lacunas da memória de um evento.
Estudiosos apontam que a memória não guarda todos os detalhes de um fato ocorrido, mas somente trechos dele, sendo o restante entendido como o que deve ter acontecido.
Eu, por exemplo, ainda hoje, juro que me lembro de acontecimentos de minha vida quando ainda era um bebê tentando aprender a deixar de engatinhar e me apoiar nas paredes do corredor. Parece que ainda posso ver os detalhes do bordado de meu macacão vermelho estampado. Porém, nada disso pode ser verdade. Posso simplesmente ter ouvido essa estória contada pelos meus familiares e ter projetado esse trecho em meu passado em forma de “memória visual”.
Questiono outros pesquisadores quando alegam que para um acontecimento ficar guardado a longo prazo, o sujeito precisa ensaiá-lo, ou seja, falar sobre ele. Mas isso não explica como um evento dito traumático fica retido na memória mesmo sendo um nunca dito pelo memorizador.
Chegamos até a memória reprimida que fica retida no inconsciente ou não podendo afetar nossos pensamentos e ações ainda que provavelmente se tenha esquecido da experiência em questão.
Pesquisadores da linguagem corporal pecam por reducionismo ao “vigiar” apenas a fachada do sujeito observado. Analisam sofregamente cada mudança ocorrida nas estruturas faciais do sujeito e até mesmo a mudança de direção do globo ocular, o que pode ser perigoso, pois podem se esquecer de que as intenções do sujeito surgem de dentro para fora (precisamos redizer para sempre o evidente) e não o contrário. Essa direção é mais importante do que a direção dos olhos do emissor.
Um desvio abrupto de olhar na direção contrária a do ouvinte, não quer dizer necessariamente que o emissor mentiu ainda que o contexto seja favorável a essa afirmação. O mesmo desvio súbito de olhar pode sugerir também que o sujeito não quer falar (verdade ou mentira) sobre esse ponto do acontecido, por este ponto ser vergonhoso, imoral, traumático ou causar-lhe apenas timidez passageira.
Não é minha intenção psicologizar todas as ações e intenções humanas. Sei o quanto seria trabalhoso, além de cansativo para um pesquisador, levantar muitas hipóteses sobre o observado e tentar “amarrá-las” depois. Contudo, os cientistas seriam mais humanos se se contivessem ao considerar as pessoas como escravas de seus próprios hemisférios cerebrais que, como imãs de forças opostas controlassem nossos corpos desse e daquele outro jeito.
Sei do valor do estudo científico e o quanto ele tem esclarecido. Sei também que isso é crucial para um investigador diante de um criminoso.
Mas será que a mesma técnica deve ser empregada com igual rigor numa conversa com uma amiga que saboreia o chá matinal?
Creio que não haja essa necessidade.
A memória x ou y não nos livra da intenção de mentir ou ocultar um fato, mas pode ser que não nos condene sozinhos, pois sugeridos por terceiros ou não, ainda temos parte nisso.