domingo, 9 de outubro de 2011

Ressalvas a respeito do livro A linguagem das emoções (Paul Ekman)


Estaria o autor, em seu livro, tentanto elaborar uma receita a qual permita que os sujeitos aprendam a se emocionar conforme padrões que Paul julga ser o mais adequado a se demostrar socialmente?
Diz Paul: “No capítulo 3, explico como e quando podemos mudar o que nos deixa emocionados”. Ainda que a frase mencionada possa ser resultado de um trecho do livro mal traduzido para o português, como acreditar que podemos mudar os fatos que nos emocionaram/emocionam?  Não temos esse poder. Como alterar a morte de um ente querido?
A maneira como demonstramos estar emocionados é no que talvez (sob longos momentos de treino) podemos interferir ou disfarçar; porque acredito que mesmo um novo modo de se expressar  exteriorizado diante do receptor pode (por nós) continuar sendo sentido internamente com a mesma intensidade.
Logo em seguida, Paul  fala sobre a medição do comportamento facial. O que também sugere que o comportamento é um fenômeno ocorrido na face, quando na verdade, a face corresponderia analogamente a um vidro translúcido de onde se podem observar (por aproximação) e consequentemente interpretar estados comportamentais psíquicos. Acredita-se que, salvo reflexos, o corpo se comporta seguindo instruções cerebrais.
Em uma outra passagem de sua obra, o autor afirma que “As palavras são representações das emoções...” para ele, todos os caminhos são traçados sob a predominância das expressões faciais.  Será?
As palavras são códigos que muitas vezes traduzem (e não representam) nossas emoções erroneamente, uma vez que não existem palavras capazes de codificar com precisão todas as emoções que vivenciamos. Pessoas, às vezes, expressam-se sem saber o que querem dizer.
 Além do mais, as palavras quase não sofrem variações estruturais, ao passo que representações supõem exibição continuada, exposição. Assim, uma emoção é que pode representar (lembrar) uma palavra (como a representação facial da palavra medo) e não o contrário.
Emoções são automáticas? Talvez os mecanismos que as desencadeiam (como os autoavaliadores) sim, contudo, podemos nos emocionar voluntariamente, como fazem os atores.
Ekman diz que uma expressão falsa pode ser denunciada de várias maneiras, pois é assimétrica e carece de uniformidade, entretanto não fala de rostos assimétricos geneticamante ou que sofreram alterações acidentais ao logo do tempo. Ele fala ainda que “podemos sentir a emoção apropriada mas demonstrá-la de modo errado”.  Novamente ele parece se voltar para um padrão de comportamento emocional que deve ser seguido. Minha pergunta: “Uma emoção deve ser apropriada para quem? Para aquele que a sente ou para aquele que a vê manifestada na face alheia? Existirá mesmo  um modo errado de expressar uma emoção? Para quem uma emoção apropriada traria benefício? Para o que a sente na pele ou para quem ela é transmitida? Não acredito que existam emoções corretas ou erradas. Mal entendidos/ interpretados, sim.
Na página 43 ainda em A linguagem das emoções, Paul acrescenta: “O fato é que todas as pessoas aprendem as mesmas coisas e, portanto, são universais”.  Porém... os sujeitos aprendem a sua maneira, transformando o que aprenderam em algo individualizado. Não quero dizer com isso que muitas emoções não são universais, mas que foram construídas evolutivamente e moldadas em meio a singularidade de cada um. Como quando se compra uma roupa usada e posterirmente a mesma peça é personalizada pelo seu novo dono. A roupa é a mesma, sua marca é a mesma, mas a aparência do sujeito vestido tem um quê diferenciado que se adequa ao estilo do dono. Assim também são as emoções, cheias de detalhes diferentes.
O título escolhido para o capítulo 3 “Mudando o que nos emocionou”  pareceu-me violento, uma vez que não partilho da teoria que somos capazes de mudar aquilo que nos emocionou. Penso que podemos mudar o modo como sentimos uma emoção, sem necessariamente com isso poder haver um controle das emoções do sujeito por ele mesmo.
Na página 63 do mesmo livro, Paul relata que se “as experiências envolvem palavras, e não coação física...” ter-se-ia mais chances de enfraquecer o gatilho que dispara uma emoção ruim. As palavras, todavia, têm também a oportunidade de serem indeléveis. Diz um ditado popular que o bem que nos fazem é gravado na areia, enquanto o mal, no mármore, assim sendo, jamais esquecido. Logo, dependendo das palavras proferidas, elas podem ser bem mais traumatizantes do que o ato bruto em si.
A influência das pesqiuisas e teorias de Paul Ekman em todas as demais pesquisas do ramo é evidente. A luz por ele acesa na escuridão do campo da linguagem corporal, especialmente facial não será apagada ainda que um dia quem sabe, o oposto do que ele hoje prega seja tomado como a verdade. 


quarta-feira, 30 de março de 2011

As máscaras nossas de cada dia







A continuidade civilizatória exige dos profissionais que lidam com o humano a busca contínua por esclarecimentos sobre os aspectos que podem estar correlacionados a prática do mentir, e como tais, virem a exteriorizar indicadores de mentira no comportamento do sujeito - o qual, inúmeras vezes, falta com a verdade – capazes de serem percebidos por seus expectadores treinados.
Profissionais como psicólogos, advogados, professores, médicos, policiais trazem em suas vivências experiências com sujeitos capazes de forjar situações (seja para obter algum tipo de benefício, transferir sua culpa para outro sujeito, ser vítima de sua própria obsessão ou psicopatia) necessitam estar a par dos avanços promovidos pela quinésica, a fim de poderem com isso melhorar suas chances de êxito profissional, minimizando os erros de interpretações da leitura verbal em consonância com a linguagem não verbal de seus clientes, jurados, detentos dentre outros.
O estudo da linguagem não-verbal vem sendo promovido em seminários, palestras voltadas para as áreas da saúde, jurídica e nos mais diversos âmbitos como no escolar, no empresarial e midiático; assim, o que antes era apenas uma questão isolada, ganha status de Ciência com direito a delimitação de campo de estudo por autores respeitados (em sua maioria estrangeiros) e estudiosos interessados em se especializarem nessa nova área.
Pensava-se que a problemática do lidar com a falta de confiança nas pessoas com as quais se trabalhava era uma questão que merecia ser controlada apenas por profissionais necessitados de estar às voltas do comportamento de seus clientes. Dentre esses profissionais estão os advogados, por exemplo, por dependerem da compreensão dos relatos de seus clientes para melhor lhe dar assistência. Contudo, a atualidade exige que os sujeitos de praticamente todas as áreas aprendam a julgar tudo o que é expresso por seus ouvintes; quer no quesito familiar, quer no profissional ou mesmo romântico. Isso porque cada vez mais está se fazendo necessário compreender e a tudo aquilo que é manifestado nas entrelinhas das condutas dos sujeitos, ou seja, aquilo que está latente, mas nem por isso deixa de estar sujeito a emergir.
Para que o processo do perceber e interpretar a linguagem corporal aconteça, algumas teorias foram forjadas com o objetivo de auxiliar o sujeito no julgamento daqueles que se colocam.
Um conjunto de técnicas construídas por meio da observação sistemática está sendo aprimorado e é por meio delas que se pretende elucidar os indicadores da falta de verdade evidenciados pela linguagem corporal dos sujeitos.
A linguagem corporal atua como fator indispensável no processo de interpretação da comunicação dos indivíduos, representando um papel decisivo de reforçador da intenção que se quer transmitir, porém, ela pode fazer o próprio falante confundir-se em meio aos argumentos defendidos.
Assim, a linguagem corporal tem o papel de fazer persuadir ou não aquele a quem é transmitida a informação. Porém, quando a linguagem corpórea não consegue se adequar as próprias intenções, o sujeito fica passível de ser desmascarado. Caso isso aconteça, as suas verdades passam a ser questionadas pelo ouvinte que pode acreditar ou não em suas sentenças.
A seguir serão apresentados os problemas que se tem ao lidar com o estudo do processo do mentir, suas definições levantadas por importantes teóricos Como Derrida, Ekman, casal Pease, Rector, dentre outros e suas respectivas argumentações referentes à mentira.
Serão levantados aspectos sobre a gênese das interpretações que levam a percepção da mentira, suas prováveis causas e conseqüências.
Serão explicitadas ainda as influências advindas do meio cultural e social, desempenhando também um papel importante na construção das máscaras ostentadas (involuntariamente ou não) pelos sujeitos que as moldam consoante suas intenções.
Ao longo dos anos foram imputados vários discursos a respeito do que viria a ser a mentira. Objeto de profundas divagações entre filósofos, psicólogos, sociólogos, antropólogos, neurobiólogos, ocupavam-se de questões que circundam o processo do mentir. Muitas observações passaram a ganhar um plano meritório no campo do saber e isso, também pela dificuldade que se tem em conceituar, discorrer, bem como encontrar supostas explicações que esclareçam as vicissitudes do comportamento do ser humano quando o mesmo tenciona mentir.
Pode-se não admitir a idéia de um mundo verdadeiro justamente por não encontrar nele um limiar entre aquilo que é tomado como verdade e o que se percebe como mentira; tomar-se-ia a mentira, não como um fato “filtrado”, mas como um ato intencional tradutor da idéia de um dizer, de um querer dizer e de um não querer dizer.
Derrida em, a Estória da mentira, trás uma noção de mentira enfatizada por um mentir que seria “dirigir a outrem (pois não se mente senão ao outro) um ou mais de um enunciado cujo mentiroso sabe, em consciência explícita, temática, atual que eles formam asserções total ou parcialmente falsas”. É bem verdade, a mentira depende daquilo que se almeja falsear intencionalmente. Dessa maneira e em qualquer tempo, os atos são julgados conforme as intenções.
Para mentir, de acordo com muitos estudiosos, o indivíduo deve conhecer a sua verdade e, sabendo-a, procurar distorcê-la voluntariamente, objetivando com isso, enganar o outro sujeito. Assim, diz-se que o sujeito ao atuar em papeis enquanto mentiroso engana ao outro, mas não a si mesmo.
Há que se considerar que o sujeito pode dizer a verdade com o intuito de mentir. O contrário também pode acontecer e eventualmente não mentir embora diga o falso. À guisa de esclarecimento deste último caso, basta pensar no indivíduo crente em sua afirmação, ignorando, porém, que o que por ele é tomado como crença não é igualmente fato verdadeiro para outros.
Todos, indiscriminadamente, mentem. Sendo adepto do primeiro ou do segundo caso. Mesmo as pessoas de muito boa índole procuram - por exemplo - constantemente desculpas para atitudes que muitos outros poderiam julgar obsoletas. A própria racionalização pode muitas vezes adquirir uma roupagem de mentira para proteger nosso psiquismo do caos. Segundo pesquisadores, os maiores mentirosos são pessoas com um maior número de contatos sociais tais como: comerciantes, jornalistas.
Ekman (2001) divide a mentira em dois tipos: falseamento e omissão. No primeiro caso, uma informação que o mentiroso acredita ser falsa é afirmada por ele como verdadeira e no segundo caso, a informação que se espera ser revelada é omitida sendo para isso auxiliada por inúmeros floreios responsáveis pela camuflagem da verdade; tal situação é considerada mentira quando este tem o intuito de enganar.
A mentira pode ser contada por “n” razões, como por exemplo, para alavancar a auto-exposição do sujeito, minimizar represálias, conseguir benefícios através do logro, ou mesmo proteger um sentimento.
Frequentemente a mentira recebe uma conotação negativa advinda da construção social. Autores crêem que a prática do mentir não deve ser considerada um “disruptor da vida social”, convertendo-se em algo danoso aos seus respectivos alvos. A mentira pelo contrário poderia ser considerada como um regulador das interações humanas, sendo, portanto, necessária para evitar tensões, frustrações, desamparos e, minimizar com isso, toda uma gama de conflitos (De Paulo et al, 1996; Walters, 2005). Essas mentiras são chamadas pelo autor de mentiras brancas, as quais são diferentes das mentiras prejudiciais, contadas no contexto criminal, por exemplo.
Skiner, em sua obra, Comportamento verbal, segundo a qual “uma resposta é emitida sob circunstâncias que normalmente controlam uma resposta incompatível” (pág. 19) é tida como mentira. Desta forma, o ato de mentir parece estar ligado a um fator reforçador dito composto, que no caso seria uma conseqüência reforçadora imediata a qual coloca o ouvinte num estado de privação de informações verdadeiras e impedimento do acesso a informações erradas; ter-se-ia uma conseqüência “positiva” que seria o caso do ouvinte ser enganado, acreditando, portanto, no mentiroso.

Percepção da mentira

Pesquisas mostram indícios observáveis que podem servir como indicadores de mentiras. Os “detectores” de mentira, porém, pecam por tenderem a considerar que a maior parte dos sujeitos examinados fala a verdade (Feeley & Young, 1998; Vrij, 2005). Quanto mais o mentiroso se mostra motivado, mais ele tenta controlar sua comunicação, assim, seu comportamento vai se tornando pouco natural, fazendo com que conseqüentemente a “detecção” da mentira seja mais fácil, posto que o “denunciamento” ocorrerá também graças aos esforços mecanizados do mentiroso numa tentativa de oculta-los.
A percepção de mentiras bem sucedida deve levar em conta a ocorrência de sinais de mentira (gestos, posturas, traços comportamentais, entonação de voz etc.), bem como a habilidade do observador de identificar e interpretar devidamente cada sinal, contextualizado-o de modo isolado e conjuntamente .
Determinados gestos arraigados à forma de se comportar do sujeito já foram prescritos pela ciência como indícios de mentira, sendo que a explicação para isso está centrada no cérebro; certos processos mentais terminam entrando em contradição com o resto do corpo. Em conseqüência, quando o sujeito insiste em dizer algo diferente daquilo que acredita ser a verdade, acontece este choque entre seu corpo e suas crenças.
Ekman (2001) afirma que um dos principais meios pelo qual a mentira pode “escapar” é através da expressão das emoções a elas correlacionadas. Segundo o autor, três tipos de emoções geralmente acompanham a mentira podendo inclusive denunciar sua ocorrência. São elas: o medo (de ser pego mentindo), a culpa (por ter mentindo) e/ou o prazer (de estar enganando um ouvinte). Estas emoções podem não estar presentes na ocorrência da mentira, mas podem ocorrer em conjunto ou de forma isolada; quanto maior sua intensidade, maiores serão as alterações no comportamento do mentiroso.
Analisando o desempenho do que mente, comportamentos e sentimentos de culpa, medo, receio, surgem como conseqüências características da punição motivadas pela moralidade que se adquire socialmente.
Estudiosos apontam que ao se observar o comportamento dos sujeitos quando mentem, as mudanças no nível de tensão, bem como o relaxamento que os analisados apresentam pode ajudar a diferenciar uma fala enganosa de uma fala sincera.
Ao mentir, os sujeitos ficam mais nervosos, justificam-se mais, tornam-se incoerentes e os seus discursos ganham um maior número de pausas. A gagueira pode aparecer junto com uma subida mudança de postura provocada também pela falta de domínio ocular do sujeito. Tais sinais devem dar informações que venham a auxiliar na percepção da mentira ou da verdade em questão.
Há uma teoria sobre o crer a qual prega que existe uma vigorosa tendência do ouvinte acreditar de início no que diz o falante e, apenas posteriormente avaliar de um modo mais crítico os argumentos expostos. Sugere-se que as informações tendem a ser tomadas como verdadeiras a não ser que o percebedor seja levado (por quem sabe algum sinal de mentira) a questionar a veracidade dos fatos.

A Linguagem corporal

Tenenbaum (1993, p. 2) afirma que o corpo é “[...] muitas vezes instrumento de expressão da vida emocional de seu/sua dono/dona”.
Sabe-se que as várias possibilidades de manifestação da mente conseguem ser expressas através de atos motores. O ser humano termina por denunciar suas intenções e necessidades por meio de atos espontâneos ou não que muitas vezes se passam despercebidos por aquele que o executa.
Segundo Feyereisen e Lannoy (1996), os movimentos corpóreos desempenham um importante papel na comunicação e consequentemente nos nossos relacionamentos sociais por exprimirem uma parte de nós que pode ser percebida por outras pessoas.
Os movimentos do nosso corpo são muitas vezes inconscientes, mesmo assim, eles têm significado para outras pessoas.
A linguagem corporal é tão importante na comunicação humana que, segundo Birdwhistell (1985 apud SILVA et al., 2000, p. 52), “[...] apenas 35% do significado social de qualquer interação corresponde às palavras pronunciadas, pois o homem é um ser multissensorial que, de vez em quando, verbaliza”. Pesquisadores ainda ressaltam que “As palavras representam 7% na nossa comunicação. O tom de voz por sua vez representa 38% e a linguagem corporal 55%.
Estes três meios de comunicação formam o “Circulo da Comunicação”’. Assim, percebe-se que nos comunicamos bem mais com o nosso corpo do que com o nosso tom de voz.
A comunicação corporal pode ser traiçoeira, sobretudo quando se mente ou quando se diz algo que, na verdade, não acreditamos. «A verdade está precisamente nos gestos involuntários do rosto e do corpo, que reflectem aspectos da personalidade, manifestam emoções e pensamentos.» (Casal Pease, Desvendando os segredos da linguagem corporal).
As partes do corpo do indivíduo podem vir a comunicar o estado de ânimo do sujeito, as atitudes que a pessoa deseja espelhar, sua personalidade. Porém, a falta de coerência ou mesmo de verdade que o sujeito oferece em seu discurso pode “entregá-lo como mentiroso”.
A postura expressa a maneira como as pessoas se relacionam entre si. Movimentos da cabeça, dos olhos, das mãos podem evidenciar muitas das convicções inconscientes sustentadas pelo dono dos movimentos.
As contradições manifestadas por meio da linguagem corporal são excelentes indicadores de mentira, tais contradições podem vir à tona por meio de sinais que são vistos por estudiosos como índices de mentira. Eis alguns deles:

-Volver os olhos para outra direção quando se é questionado;
-Piscar rapidamente
-Volta-se para trás bruscamente;
-Respirar mais rapidamente que o normal;
-Não existência de sincronismo entre gestos e palavras;
-Movimentos mecanizados com encolhimento do corpo;
-Utilização das palavras do questionador para afirmar seus próprios pontos de vista;
-Ruborização e sudorese acentuadas;
-Voz falhada
- Engolir secamente;
-Pedir que a pergunta seja repetida;

Pode-se atentar para o fato de que no mais das vezes, não é o que dizemos, mas o como dizemos é que afeta as relações. Munindo-se das expressões corporais, podemos nos comunicar com os outros e causar as mais diversas impressões. Pode-se, portanto, utilizar a observação sistemática e sua prática como técnica que auxilie no desvendamento das expressões do corpo e suas variações.

Raízes culturais e sociais

Para Barros (1998, p. 37) “[...] o movimento e o pensamento são integrados ao trabalho global do corpo, atuando como meio de relação e comunicação através de gestos e movimentos em total integração do indivíduo com o meio”.
O processo de comunicação se desenvolve mediante duas funções: a verbal e a não-verbal que se interrelacionam; assim, fala-se voluntariamente graças ao aparelho fonador e ao participar de uma interação social, a expressão acontece com todo o corpo.
Cada cultura apresenta seu conjunto de códigos verbais e não verbais. A linguagem pode ser representada por palavras, gestos, olhares, posturas. De resto, a forma de comunicação mais preponderante em nosso histórico biológico é a linguagem não-verbal, pois de acordo com especialistas, ela é a representação natural. Ocorre que essa representação é instintiva, podendo acontecer contradições entre a comunicação pensada e aquela que é dita por palavras.
Nossos gestos se desenvolvem tão rapidamente que são capazes de denunciar, ainda que não o queiramos, nossas vontades, desejos profundos, sentimentos. Esses incidentes acontecem frente às expectativas dos julgamentos sociais de um grupo. Esboçando-se dessa forma, um comportamento que se controla a todo instante. Nesse momento se enfrenta um conflito emocional entre as manifestações do corpo e o aprendizado pregado pela boa conduta social.
O sujeito, ao mesmo tempo em que movimenta o seu corpo, procura se harmonizar com os padrões comportamentais incitados pela sociedade. Esses conflitos remontam da infância do sujeito, uma vez que a criança tem necessidade de ser percebida, ouvida e por fim aprovada em seu discurso pelo ouvinte que a avalia e a sua comunicação. Caso a criança seja reprimida ao se manifestar, o seu corpo grita diante dos obstáculos que se impõem a ela, sendo “esta resposta corporal a maior busca do relaxamento”. (GIRARD; CHALVIN, 2001). Partindo desse princípio podemos dizer que as crianças apreendem o mundo através do corpo e das emoções que originam seus movimentos. Ao passar por seu processo de desenvolvimento em meio as suas vivências, o corpo é a principal testemunha das ações humanas, registrando cada nova experiência de vida, acostumando-se também a elas
Segundo Rector e Trinta (1999, pág 21) [...] “O homem é um ser em movimento e, ao mover-se, põe em funcionamento formas de expressão completa e complexa, que são, de resto, socialmente partilhadas, a exemplo das formas da língua. Portanto, ao exprimir-se com o seu corpo, ele o faz de maneira tão clara, que não há mais como desdizer-se ou voltar atrás”.
É por meio do corpo que o homem, desde tenra idade e independente de dimensões físicas se comunica com o mundo a fim de dominar seu espaço.
Darwin (2000) afirma que os movimentos expressivos são [...] o primeiro meio de comunicação entre a mãe e seu bebê; sorrindo ela encoraja seu filho quando está no bom caminho; senão, ela franze o semblante em sinal de desaprovação. Nós facilmente percebemos simpatia nos outros por sua expressão; [...] Os movimentos expressivos conferem vivacidade e energia às nossas palavras. Eles revelam os pensamentos e as intenções alheias melhor do que as palavras, que podem ser falsas.
À força da defesa de zonas pessoais, tem-se optado pelo uso de variadas máscaras com as quais se almeja controlar expressões de nosso corpo para que o mesmo não revele mensagens reveladoras que hora se quer ocultar.
A linguagem pode incluir muitos movimentos involuntárias não passíveis de serem controlados como transpiração, leves tremores e um conjunto de gestos diminutos encarados como uma linguagem paralela que não é traduzida por palavras, mas podem ser expressos por um rubor de faces, um breve sorriso que amalgamado a outros sinais pode revelar situações incômodas para quem as sentem.
Uma parte das máscaras pode ser adquirida culturalmente, como se sabe, e outra parte pode ser ensinada por meio de normas e condutas que costumam estabelecer o que se convém fazer ou não no que toca a linguagem corporal.
À medida que a criança se aproxima da idade adulta essa máscara se desenvolve, torna-se um instrumento de repressão mais aperfeiçoado com o fim de proteger o gesticulador, entretanto o uso delas podem trazer complicações para seu dono quando este decide usá-las para enganar o outro.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROS, D. O corpo expressivo. In: VARGAS, A. (Org.). Reflexões sobre o corpo. Rio
de Janeiro: Sprint, 1988.

GIRARD, V.; CHALVIN, M. J. Um corpo para compreender e aprender. São Paulo:
Edições Loyola, 2001.

RECTOR, M.; TRINTA, A. R. Comunicação do corpo. São Paulo: Ática, 1999.

WEIL, P.; TOMPAKOW, R. O corpo fala: a linguagem silenciosa da comunicação não-
verbal. 55. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

DAVIS,F. A comunicação não-verbal. São Paulo: Summus, 1979.
DePaulo, B, Kashy, D., Kirkendol, S., Wyer, M. & Epstein, J.

(1996). Lying in everyday life. Journal of Personality and

Social Psychology, 70, 979-995. 

quarta-feira, 9 de março de 2011

Gesto

-O que pode ser considerado um gesto?
-Será que é necessária a presença da movimentação (ainda que não observada à vista desarmada) de alguma parte do nosso corpo para que o gesto “aconteça”?
-Qual poderia ser eleita a parte do corpo humano responsável pelo maior número de gesticulação?

Um gesto pode se dar de modos bem diversos.
Não raro, quando se pensa em um gesto, tem-se em mente a realização visível de um movimento.
Um aperto de mão, um abraço, um sinal de assentimento verificado pelo balançar de uma cabeça e tantas outras formas concatenadas a movimentação corpórea são sempre citadas por investigadores da linguagem corporal. Alguns autores ousados chegam a citar gestos mais discretos como os sorrisos, as variações desempenhadas pelo sobrolho, as mudanças na direção do olhar. Mas... e se se pudesse observar um sujeito o qual mantivesse todo o seu corpo imóvel, petrificado... poder-se-ia enxergar a presença de gestos nessa situação hipoteticamente absurda?
Grande parte dos dicionaristas afirma que os gestos envolvem a idéia de ação, ato, movimento. Entretanto, a nossa espécie se movimenta cada vez menos graças também a ociosidade que faz o indivíduo responder ao outro de modo cada vez mais conciso.
Um adolescente que brinca com seus jogos eletrônicos, por exemplo, pode responder àquilo que lhe é solicitado apenas com um levantamento de sua pálpebra esquerda ou com um ruído emitido pelo som do ensaio da fala. (quem disse que todo gesto é entendido enquanto resposta?).
Muitos de nós estamos nos movimentando menos, todavia, isso não quer dizer que os nossos corpos estão transmitindo menos informações. Eles transmitem o mesmo grau de informações aos outros sujeitos. No caso, “estou inerte”, “estou centrado em mim mesmo”, “estou muito distante”.
O pensador de Rodin, isto é, a escultura, transmite com perfeição tudo o que é necessário saber acerca da mesma. Mas, diferente das esculturas, não chegamos ao gesto a partir do nada; mesmo quando mantemos nossos corpos parados estamos aplicando esforços para ficarmos em tal situação.
Pode-se ter uma leve noção das respostas às duas primeiras indagações em destaque.
Um gesto, mesmo que aparentemente estático, carrega consigo a idéia do movimento efetuado pelo gesticulador antes da concretização do gesto.
Deixando o plano metafísico, atente-se para as variações dignas de serem consideradas gestos:

-A linguagem verbal (e não somente a não verbal como muitos pensam) juntamente com as entonações da voz produzidas pelas mudanças no tracto vocal em meio ao vibrar ou não das cordas vocais.
-A escrita que codifica infinitos pensamentos passives de serem decodificados pelo leitor, além de evidenciar aspectos da personalidade do próprio escritor. Cabe lembrar que mesmo uma escrita, quando analisada por um grafólogo, não é considerada um ato paralisado, pois se estuda o gênero Movimento e Velocidade com os quais a escrita foi desenvolvida.
-O suspiro, indicativo de angústias, intoxicações e outras muitas razões.
-O sonhar, os movimentos que esta ação executa nos músculos oculares (durante o sono REM e as mudanças de estágios) e outras pequenas contrações musculares.
-Alterações corporais causadas por aparelhos hospitalares como a Eletroconvulsoterapia, o Eletrocardiograma e eletroencefalograma que, grosso modo, lêem as mensagens do coração e cérebro respectivamente. O que vem nos alertar também sobre o caráter involuntário de alguns gestos (microgestos).
-O mamilo humano também pode ser entendido como um gesto ao estar rijo ou não.
-Muitas doenças e síndromes provocam alterações motores, como o AVC e a síndrome de Tourette.

E quanto a terceira resposta? Sugestões?! Lanço um desafio.

 (...)



Alguém citou os olhos...
Olhos?!
Já disseram que os olhos são o espelho da alma, as janelas da alma. De fato, o olhar de um indivíduo pode delatá-lo enquanto mentiroso. O olhar (ou a falta dele) pode levar um homem ou uma mulher a se declarar romanticamente ao outro(a) sem a intenção de fazê-lo.
O escritor Conan Doyle, num misto de realidade e ficção, descreveu com argúcia uma passagem em que seu personagem Sherlock Holmes “descobria” toda a cadeia de pensamentos gradativos oriundos da mente de Watson apenas seguindo as direções dos olhos deste último. Mais que provável. Isto é possível para além dos campos da literatura.



Em si considerando os movimentos oculares como gestos - o que já levaria muitos pesquisadores à discordância - poder-se-ia pecar por não se considerar outras partes do corpo que realizam uma maior diversidade de gestos e não somente um tanto de movimentos que se repetem frequentemente.  
Aos olhos dou, portanto, o título daqueles que são os mais verdadeiros gestos comunicadores do corpo humano, os mais difíceis de serem disfarçados. Capazes de persuadir, dissuadir, enganar, dominar e coibir, tanto o que olha quanto o que é olhado.
Ainda não são os olhos que realizam o maior número de gesticulações possíveis.




Alguém me chamou a atenção para o importante papel da boca,
A boca?!
A boca realiza inúmeros gestos diferentes; a começar pelo sorriso. Os risos, os sorrisos diferem entre os sujeitos. Nenhum sorriso é igual ao outro (nem mesmo os de gêmeos quando observados mais atentamente). Estes gestos se fazem de formas diversas também num mesmo sujeito.
Muitos pesquisadores subestimam a importância da boca, dos lábios. O que não é vantajoso.
Observando o homúnculo da figura que idealiza as correlações existentes entre as partes do corpo e as respectivas representações topográficas nos hemisférios cerebrais, percebe-se que as áreas corticais são maiores quanto mais “finos” são os movimentos que a região anatômica realiza. Assim, analogamente, a fineza dos gestos pode se mostrar mais bem elaborada em si tratando da face, boca, língua e mãos.
Tem-se registro da grande variedade de línguas faladas em tantas regiões do planeta. Cada som produzido é modificado também pela boca e de acordo com os seus gestos, os quais possuem discretas diferenças.
Juntos, boca, língua, lábios, olhos, em suma, face, somariam gestos suficientes que dariam ao rosto o lugar de maior destaque no campo das gesticulações. Entretanto, assim, não se consideraria apenas uma parte do corpo bem definida. Atestar-se-ia no mínimo a competência interdisciplinar de um conjunto de partes que trabalham rítmica e coordenadamente (no mais das vezes) sobre o comando de um órgão maior: o cérebro.


sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Domínio

Ao longo das eras os “homens” sempre procuraram demarcar seus territórios. Faziam isso de várias maneiras. Marcar suas posses era necessário. Já pensou? Sair e quando retornar, não mais encontrar seus bens? porém, de que bens se está falando? Estes não se restringiam a cabanas, terras, ferramentas rupestres. As “fêmeas” também eram (ou porque não dizer, “já eram”) “demarcadas” por seus “machos”. Coisas do Neolítico?! Tempo bem mais que pretérito?! não. Hoje as tentativas de marcar fronteiras principiam das mais variadas e sutis maneiras; sendo preciso um olhar atento para observar como isso acontece entre os próprios seres humanos através de uma relação possessiva que não tem a mais tênue intenção de ser discreta.
Hão de concordar que os homens (e dessa vez não entre aspas; sexo masculino, mesmo.) sentem necessidade de serem mais que vistos pelas mulheres. Desejam ser notados com exclusividade sobre os outros homens que estejam por perto. Tudo parece ser uma chance de disputa indispensável para eles.
Nota-se, por exemplo, quando uma mulher está sentada ao lado de um homem, seja dentro de um ônibus, seja num banco da praça. Podem-se ver como alguns homens mantêm suas pernas afastadas uma da outra de modo a ampliarem o espaço onde se encontram localizados, o qual “pertence” a eles, “são deles”, pelo menos naquele momento. Neste enlace, tudo em que possam ao menos roçar levemente se achará no “território deles”. Assim, abrir bem as pernas quando estão sentados próximos a uma mulher indica não apenas uma supervalorização da virilidade masculina (como se seus órgãos genitais precisassem de mais espaço); é também uma tentativa de ampliar os domínios os quais julgam ser seus. Mas não encaremos apenas estas versões dos fatos. As assaduras - por exemplo - podem fazer com que um homem não apenas se sente com as pernas amplamente afastadas, como também podem andar afetadamente.
As necessidades masculinas de se aproximarem das mulheres vão além de um abrir e um abrir mais ainda de pernas. Note, por exemplo, como duas pessoas de sexo oposto e que não se conhecem ainda se portam quando estão lado a lado. Supondo-se que o interesse de iniciar qualquer contato que seja parta do lado masculino. Vê-se como isso pode se dar. Ele se espreguiça para que suas mãos, cotovelos “invadam” o espaço feminino, o que deve provocar o início de uma conversação já que pedir desculpas é um bom começo. Tais gestos que também contribuem para aumentar as dimensões torácicas, ainda que brevemente , dão a mulher talvez uma subida impressão de que ele é mais forte do que parece.
Para não dizerem que não abordei as investidas femininas... é fácil perceber quando uma mulher se dispõe, no exemplo acima, a acatar o flerte masculino. O cruzar de pernas feminino é o mais ingênuo denunciador dos interesses das mulheres para com os seus emissores, bem como receptores. Toda a literatura que trata da linguagem corporal insiste no tema. Existem mesmo “estudiosos” que dialogam com as mulheres observando atentamente para qual dos lados a mulher cruza as pernas durante um determinado assunto; como se apenas os pés apontados para “a minha direção” indicassem aceitação e receptividade feminina. É verdade que as pernas cruzadas podem indicar esses tipos de estados em ambos os sexos, contudo. Eu não me canso de alertar: Isso não é tudo o que se precisa observar! e em si tratando de observar os gestos femininos, é muito mais fácil se equivocar com tal leitura.
A vaidade de quase todas as mulheres tem alcançado tão largo crescimento no campo dos desejos atuais que grande parte delas, “lutam” com seus próprios corpos para que estes possam mostrar aos outros o que cada uma tem de melhor. Agulhas, massagens, cirurgias, exercícios dolorosos fazem parte da rotina feminina e quando não se consegue o corpo esculpidamente desejado, logo a própria postura feminil é levada a se modificar nos mais sutis detalhes.
Ainda há pouco, estive com uma amiga que reclamava dos transtornos que ela enfrentava com as estrias e celulites. Ela alegou que não usava mais decotes (por cauda de estrias nas regiões superiores dos seios) e, depois, percebi que ela apenas cruzava as pernas para o lado esquerdo, suportando terríveis câimbras. Fiquei sabendo por ela mesma o motivo: cruzando as pernas para este lado as celulites não apareciam. Dessa maneira, esta mulher apresentava uma postura que para muitos, “não concordava” com o seu jeito expansivo e amigo de estar aberta ao diálogo e as suas próprias mudanças de opinião. Provavelmente quem estivesse sentado a sua direita não teria logo de início (e se apenas se guiasse pela leitura de pernas e pés) a boa impressão inicial que os amigos tivemos dela quando a mesma ainda não era tão exigente com seu próprio corpo.
Assim, os corpos sofrem modificações, os desejos se intensificam, as ideias se angustiam, o cérebro envia comandos diferentes e os gestos, posturas, jeitos não apenas sofrem afetações como também passam a ser percebidos, na medida do provável, diferentemente daquilo que são.


quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Como estão os meus óculos?

Ainda na livraria...
Outro capítulo que despertou novos interesses em mim foi o uso de óculos e as sugestões que este uso suscita.
Segundo a autora, se você quiser ser mais respeitado como profissional sério, exigente e inteligente deve optar pelas armações finas e metálicas; as mais grossas e coloridas espelham em seu semblante mais alegria e despojamento diante da vida.
Recentemente ouvi notícias de pesquisas “por aí” que, caso apareça usando óculos em uma entrevista de emprego, você teria mais chances que outros candidatos desprovidos de óculos. A minha pergunta é: Em uma entrevista de emprego em que o sujeito é avaliado mediante um simples diálogo, caso lhe fosse perguntado: o que o faz querer trabalhar conosco? Sua resposta seria: -Vocês gostam de me ver de óculos; ou então: Em seu último emprego quais foram as suas realizações mais importantes: -Tirei e coloquei meus óculos com muita elegância e charme; ou mesmo: O que mais o irrita no ambiente de trabalho? -A mudança de humor que provoco nos colegas quando troco as armações dos meus óculos; e ainda: Por que você escolheu esta profissão? - Meus óculos combinam com o capacete e a trena.
A supervalorização de qualquer objeto atrapalha o candidato e o pesquisador. O tema escolhido pela autora não deixa de ser interessante, mas, parcimônia. O uso de objetos pode causar certas alterações em nossas colocações e nas impressões que outras pessoas venham a ter de nós. Por exemplo, podemos ficar mais receptivas na visão das pessoas com as quais conversamos. Concordo com a autora quando esta afirma que ao tirarmos os óculos podemos ser percebidos como mais receptivos e quando os pomos na face, intui-se que iniciaremos a falar de modo que ouçam. Pequenos gestos podem fazer toda a diferença. Contudo, pensemos naquelas pessoas com alto grau de miopia. Aquelas que até se esquecem de tirar os óculos para tomar banho! Mesmo não sendo tímidas, muitas delas podem ter dificuldades para falar, ouvir, tirando e recolocando os seus óculos. Não por isso devem ser tachadas como arrogantes. Outros se sentem nus sem seus óculos, tamanho é o costume; para estes os óculos já são parte indiferenciada de seu rosto. Portanto, cuidado redobrado ao tentar desvendar os segredos da relação óculos-sujeito. Volto ao tema com minhas especulações de análises.


quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Durmo como sou?

Do outro lado da cidade, uma boa invenção acidental, um cinema contíguo a uma livraria. Lá estando, procurando novidades na estante destinada ao estudo da alma, encontro um livro que fala da linguagem não-verbal. Escrito por uma mulher! Uma mulher sozinha! e suas referências bibliográficas. Quem sabe não encontro boas novidades. Abro o livro, folheio e logo ao sumário. Dois capítulos chamam minha atenção: o primeiro fala sobre o “nosso” modo de dormir. Na página em questão encontro figuras de pessoas dormindo e, num primeiro relance, estão em "interação" com seus cobertores...
Pessoas deitadas de lado, costas voltadas para a cama, bruços, soerguidas em seus travesseiros. E tudo – separadamente - revela uma postura admitida pelo dorminhoco. Segundo a autora, o sujeito que se encontra de bruços com o cobertor até o pescoço ou além, inseguro, quase medroso. O que dorme com as costas voltadas para a cama e meio desencoberto, revela-se em sua segurança, é audaz, ousado em suas propostas. O que se apóia em travesseiros a fim de manter sua cabeça alta, costuma ser muito racional, mente plena de atividades inteligentes as quais não conseguem cessar. E, vejam só! “Achei-me” num dos dorminhocos: dormir sem travesseiro, sujeito decidido, organizado. O que me permitiu concluir antes de ler: não precisa de apoio. Por que será que me sobreveio o óbvio?!
Acho que não tenho sorte para escolher capítulos. Deve ser isso.
Minha mãe sempre dizia: “Deve-se colocar a criança para dormir de lado, porque se deixá-la de barriga para cima, ela terá pesadelos à noite toda”. Não existem hipóteses que comprovem a tese da minha mãe, mas ainda hoje, quando ouso corajosamente adormecer com as costas rente a cama, (“Assim é melhor para coluna”, como dizem os médicos) iniciam-se meus pesadelos. Tem isso uma relação direita com o que minha mãe ratifica? É provável. Contudo, não encaro isso como um condicionamento imposto pela minha mãe. Que espécie de filha seria eu? Vejo como uma sugestão quase hipnótica alçada pela cultura de uma época aliada ao zelo materno. Não sou contrária em tudo ao inatismo. Antecipo de antemão que nem tudo foi adquirido, porém, não creio que o sujeito nasça, rico em sua individualidade, programado para dormir assim.
Não estou alegando que isso foi sugerido pela autora em foco, mas também não foi negado, sequer esclarecido. Por quê? Quer dizer que caímos na cama e inconscientemente nos viramos para o lado de como somos? Se ao menos fosse citada a possibilidade de virarmos para o lado de como estamos... quem sabe eu procurasse entender a intenção dela.



(...)

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A mentira também é construção social!

Isso se parece com uma daquelas estratégias utilizadas por advogados para livrar o réu que acabou de cair em contradição. “Meu cliente não mentiu, Meritíssimo, ele foi levado a mentir!”.
Será que não existe um quê de lógica nesse título?
Muitos “decodificadores” da linguagem corporal, principalmente aqueles que depois de lerem o “Manual do código gestual”, põem-se a “desmascarar” os mentirosos; fazem isso praticando aqui e ali a visualização dos indicadores de mentira (dos gestos que provavelmente revelam o sujeito quando este mentiu, mente ou mentirá na próxima frase a ser dita).
Tantas palavras estão entre aspas para ressaltar o processo mecanicista por meio do qual andam julgando muitas de nossas condutas. Fazem isso como se consultassem um dicionário que contém todos os gestos possíveis e seus respectivos significados quase sempre negativos.
É o que muitos projetos de autores vêm citando...
Para reforçar que o mentir não é um ato isolado que envolve tão somente funções motoras, basta pensarmos no “nascimento da mentira” que cresce educada consoante os parâmetros da construção social de cada cultura.
Em pequenas cidades do interior, uma mentira pode surgir através de uma estória... De tanto ouvir seu pai, o filho do mentiroso cresce achando que são verdades todos os relatos contados por seu pai. O filho pode seguir achando que fazia parte das estórias as quais nunca aconteceram de fato.
Uma pessoa suficientemente autoconfiante pode elaborar uma mentira tendo consciência da mesma e, de tanto mentir repetidas vezes, termina acreditando em sua própria versão fantasiosa (em se tratando de mentiras brancas).
Mesmo um sonho pode fazer com que o sonhador acredite em algo que, de repente, nunca chegou a acontecer. Mas qual será o nome do pregador de peças capaz de enganar o próprio mentiroso? Aplausos para a senhora Memória e suas faces.
Para se falar de memória não se pode deixar de indicar a Dr. Elisabeth F. Loftus que desenvolveu estudos sobre a falsa memória, isto é, lembranças que são tomadas para si como algo real, acontecido, mas que em realidade nunca aconteceu.
A falsa memória está associada ao ouvir dizer, à sugestionabilidade e, supostamente, a muitos outros fatores.
Alguns pesquisadores diferem a falsa memória da auto-implantação de memória, esta auto-implantação se basearia no entendimento diferenciado do original que é tomado pelo sujeito por este ter ouvido mal um relato ou confundido este com outro relato de um outro emissor com quem também se conversava simultaneamente. Há quem prefira chamar de memória errônea esse tipo de memória, mas quem pode se indagar do que seja uma memória certa ou errada? Não seria este mais um costume infeliz do meio cientifico de querer sempre escolher um padrão e tomá-lo como referencial?!
A memória é a “retenção, recordação de experiências”, agora o fato dessas experiências terem ocorrido ou serem confundidas com outras, não priva a memória de seus direitos autorais.
É certo que, se nem nós, os “donos” de nossas memórias, podemos confiar em nossas lembranças, o que se pode dizer daqueles que precisam nos ouvir para, a partir do discurso vinculado aos nossos gestos e posturas, deduzir que estamos mentindo ou não?!!
Não raro nos enganamos com nossas recordações, galgamos memórias após o acontecido e ficamos vulneráveis às sugestões alheias capazes de preencher as lacunas da memória de um evento.
Estudiosos apontam que a memória não guarda todos os detalhes de um fato ocorrido, mas somente trechos dele, sendo o restante entendido como o que deve ter acontecido.
Eu, por exemplo, ainda hoje, juro que me lembro de acontecimentos de minha vida quando ainda era um bebê tentando aprender a deixar de engatinhar e me apoiar nas paredes do corredor. Parece que ainda posso ver os detalhes do bordado de meu macacão vermelho estampado. Porém, nada disso pode ser verdade. Posso simplesmente ter ouvido essa estória contada pelos meus familiares e ter projetado esse trecho em meu passado em forma de “memória visual”.
Questiono outros pesquisadores quando alegam que para um acontecimento ficar guardado a longo prazo, o sujeito precisa ensaiá-lo, ou seja, falar sobre ele. Mas isso não explica como um evento dito traumático fica retido na memória mesmo sendo um nunca dito pelo memorizador.
Chegamos até a memória reprimida que fica retida no inconsciente ou não podendo afetar nossos pensamentos e ações ainda que provavelmente se tenha esquecido da experiência em questão.
Pesquisadores da linguagem corporal pecam por reducionismo ao “vigiar” apenas a fachada do sujeito observado. Analisam sofregamente cada mudança ocorrida nas estruturas faciais do sujeito e até mesmo a mudança de direção do globo ocular, o que pode ser perigoso, pois podem se esquecer de que as intenções do sujeito surgem de dentro para fora (precisamos redizer para sempre o evidente) e não o contrário. Essa direção é mais importante do que a direção dos olhos do emissor.
Um desvio abrupto de olhar na direção contrária a do ouvinte, não quer dizer necessariamente que o emissor mentiu ainda que o contexto seja favorável a essa afirmação. O mesmo desvio súbito de olhar pode sugerir também que o sujeito não quer falar (verdade ou mentira) sobre esse ponto do acontecido, por este ponto ser vergonhoso, imoral, traumático ou causar-lhe apenas timidez passageira.
Não é minha intenção psicologizar todas as ações e intenções humanas. Sei o quanto seria trabalhoso, além de cansativo para um pesquisador, levantar muitas hipóteses sobre o observado e tentar “amarrá-las” depois. Contudo, os cientistas seriam mais humanos se se contivessem ao considerar as pessoas como escravas de seus próprios hemisférios cerebrais que, como imãs de forças opostas controlassem nossos corpos desse e daquele outro jeito.
Sei do valor do estudo científico e o quanto ele tem esclarecido. Sei também que isso é crucial para um investigador diante de um criminoso.
Mas será que a mesma técnica deve ser empregada com igual rigor numa conversa com uma amiga que saboreia o chá matinal?
Creio que não haja essa necessidade.
A memória x ou y não nos livra da intenção de mentir ou ocultar um fato, mas pode ser que não nos condene sozinhos, pois sugeridos por terceiros ou não, ainda temos parte nisso.